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CEBs, um jeito de ser igreja

O profetismo das CEBs não é ideologia política, e sim fruto da mística do seguimento a Jesus Cristo que se fez solidário com os pobres e sofredores. (CEBs do Brasil)

Com uma espiritualidade encarnada na história do seu povo, as CEBs procuram ser comunidades proféticas e místicas.

As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), células iniciais de estruturação eclesial, buscam ser comunidades enraizadas na prática histórica de Jesus de Nazaré e bebem do testemunho das primeiras comunidades cristãs (At 2, 42-47; 4, 32-35). Como Jesus, assumem a opção pelos pobres e a partir deles anunciam o evangelho do Reino a todos.

Com uma espiritualidade encarnada na história do seu povo, as CEBs procuram ser comunidades proféticas e místicas. Pois a cruz e a ressurreição de Jesus são experimentadas palpavelmente no cotidiano da vida.  Dom Pedro Casaldáliga, ao se referir às CEBs, diz: 

“não são associação, não são um movimento, são uma movimentação, um espírito, uma atitude, uma lógica, uma coerência. As CEBs é um modo novo de ser Igreja, é um modo novo de toda a Igreja ser”. Este jeito de ser Igreja tem enfrentado desafios diversos, dentro e fora da Igreja. Procuremos elencar esses desafios em quatro níveis, a saber, antropológico, sociológico, pedagógico e teológico.

No nível antropológico vivemos uma cultura do subjetivismo na qual predomina indivíduo sobre a comunidade. A busca do bem-estar pessoal se tornou parâmetro para as relações. E sendo assim, ir à missa, ao psicólogo, ao culto evangélico, ao shopping... têm o mesmo objetivo: sentir-se bem. Com isso, o compromisso com o outro, a ética, o bem comum ficaram em segundo plano.

Essa cultura individualista e do bem-estar pessoal influencia diretamente no modo de nossa organização social. O cidadão de direito e deveres com sua singularidade e responsabilidade foi consumido pela cultura de massa, na qual as ideologias das grandes mídias acabam por ditarem a moda, os costumes e até mesmo o rumo da política.  Pois nessa sociedade de indivíduos houve uma inversão do público pelo privado, a pessoa não vai mais para a “praça pública” para discutir sobre o bem da cidade, mas vai levando os seus interesses pessoais. Talvez aqui temos a raiz da corrupção que invadiu a nossa política. Nossas relações tecnologizadas também contribuíram para a perda das raízes, da memória, criando a cultura do descartável, do imediato, do consumo desenfreado. Como as CEBs têm por definição o ser comunidade, igualdade fraterna, corresponsabilidade, partilha, mesa eucarística do Pão e da Palavra, etc. elas se tornam um sinal profético contra o egoísmo e o consumismo do capitalismo neoliberal.

No nível pedagógico, a cultura de massa e individualista também contribui para não reflexão. Pensar dá trabalho. Por isso é melhor viver como “sonâmbulos”, sem refletir as próprias ações. “Diante da falta de horizonte, da desilusão e do medo, parece que a solução é não pensar no sentido da própria existência. Por isso diz: ‘dê-me televisão e hambúrguer e não me venha com sermões de liberdade e responsabilidade’” (Aldaus Huxley – poeta italiano do século XX).

Numa cultura do bem estar pessoal que exalta o individualismo e a concorrência, aprender a ser com o outro e para o outro se tornou um grande desafio. Não somos uma sociedade, e sim uma massa atomizada dominada pelo consumo, pelo trabalho, pela técnica, etc. O homem da massa se caracteriza pelo seu isolamento e sua falta de relações sociais. Os homens da massa são marionetes nas mãos dos meios de comunicação, da ideologia consumista, etc. Como dizia Hannah Arendt, “uma pessoa que não pensa é como um sonâmbulo”. Logo, o que percebemos em nossa sociedade é uma multidão de sonâmbulos, que não são capazes de lutar por seus direitos, de exercer sua liberdade política, de ocupar o espaço público da ação e da palavra. Por isso, são capazes de fazer ou sofrer o mal banalmente, não por um uso desordenado da liberdade, mas, sim, por não exercerem a sua espontaneidade e a sua liberdade política. Neste contexto, os homens perdem o seu poder político, a sua capacidade de agir conjuntamente, a capacidade de criar algo novo, perdendo, assim, a sua própria humanidade.

O individualismo do homem moderno invadiu as igrejas. A escolha de qual religião seguir não passa mais pelo critério doutrinal e, sim, pelo sentir-se bem, pela promessa de milagres, etc. O ideal de conversão ao evangelho já não desponta mais no horizonte da maioria das religiões. O processo agora é o inverso: ao invés da pessoa converter-se às exigências da fé, é a religião que se converte ao desejo das pessoas. A gratuidade, o dar sem esperar nada em troca, que sustenta todo edifício ético e religioso está cada vez mais distante do discurso e da práxis de muitos que se dizem crentes.

As CEBs, com uma espiritualidade profética e encarnada, procuram manter a intriga entre ética e religião, espiritualidade e compromisso com a justiça social. Por isso, este deus introduzido na economia, torna-se um grande desafio para as CEBs e para toda a Igreja. Já que a sabedoria profética de Israel apresenta um Deus que se humilha para “estar junto com o contrito e o humilde” (Is 57,15), um Deus “do apátrida, da viúva e do órfão”, um Deus que se manifesta no mundo por sua aliança com os excluídos do mundo. Um Deus que tem “entranhas de misericórdia” (Os 11, 8), que se deixa afectar pela dor e o sofrimento do estrangeiro, da viúva e do órfão. Um Deus preocupado em libertar o seu povo, que vê a sua miséria, ouve seu grito por justiça, conhece as suas angústias e desce para libertá-lo (cf. Ex 3, 7-8).

O profetismo das CEBs não é ideologia política, e sim fruto da mística do seguimento a Jesus Cristo, o crucificado-ressuscitado, que se fez solidário com os pobres e sofredores. Como afirma a conferência de Puebla, “vemos, à luz da fé, como um escândalo e uma contradição com o ser cristão, a brecha crescente entre ricos e pobres. O luxo de alguns poucos converte-se em insulto contra a miséria das grandes massas. Isto é contrário ao plano do Criador e à honra que lhe é devida. Nesta angústia e dor, a Igreja discerne uma situação de pecado social, cuja gravidade é maior quanto se dá em países que se dizem católicos e que têm a capacidade de mudar” (Puebla, n. 28).

Como nos alerta o Papa Francisco, “às vezes sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros” (EG, 270). Isso nos faz acreditar que este modo de ser igreja das CEBs é autêntico e atual, porém, exige dos seus membros a coragem profética de morrer como o seu Mestre o fez.

Por Pe. Rodrigo Ferreira da Costa, SDN, Missionário Sacramentino de Nossa Senhora, Licenciado em Filosofia (ISTA), bacharel em teologia (FAJE), com Especialização para Formadores em Seminários e Casas de Formação (Faculdade Dehoniana). Publicou pela Editora O Lutador (2015) o livro 'Equipes Missionárias: rosto de uma Igreja em missão'. Pároco Paróquia Santa Cruz, Alta Floresta-MT.

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